Histórico da Propriedade Fundiária e Especulação Imobiliária na Cidade de São Paulo - Parte 1

Histórico da Propriedade Fundiária e Especulação Imobiliária na Cidade de São Paulo - Parte 1



SÉCULO XIX


O objetivo do presente artigo é dar base contextual ao leitor de um breve relato sobre a trajetória da propriedade fundiária na cidade de São Paulo, para que seja possível um bom entendimento do momento atual no qual o mercado imobiliário se depara com uma escassez de terrenos para incorporar e uma enorme especulação em torno dos pouquíssimos espaços que ainda estão disponíveis.

O mercado de terras na cidade de São Paulo somente se inicia com as grandes transformações econômicas e sociais pelas quais a sociedade brasileira passa a partir da segunda metade do século XIX. Tais transformações tiveram ligação direta com a expansão da cafeicultura. (BOTELHO, 2007)

A expansão da produção cafeeira, associada ao surgimento de uma indústria ainda incipiente, iria ser determinante para o crescimento acelerado da cidade, que a consolidaria como a maior cidade do país já nas primeiras décadas do século XX, superando, à medida que a industrialização se consolidava, as limitações de seu papel de sede do controle da exportação agrícola. (FERREIRA, 2005)

Formalmente, é a partir do ano de 1850, com a Lei de Terras, que o mercado fundiário paulistano começa a existir, pois fica instituída que a única forma legal de acesso a terra é a compra desta, extinguindo-se o sistema antigo vigente de doações de datas e sesmarias. Trata-se da absolutização da propriedade no mercado fundiário. (BOTELHO, 2007)

Até 1890, a cidade de São Paulo era circundada por um cinturão chácaras que, além de fins agrícolas, encerravam importante função residencial para as famílias mais abastadas. Estas chácaras formavam um bloco compacto que circundava a cidade até as atuais áreas de Ponte Grande, Pari, Mooca, Cambuci, Vila Mariana, Jardim Paulista, Vila América, Santa Cecília, Barra Funda e Bom Retiro. (LANGENBUCH, 1968 apud BOTELHO, 2007)

Nesse período agro-exportador e de uma industrialização incipiente imperou em São Paulo uma visão de que a cidade não podia ser a expressão do atraso nacional frente ao modernismo das grandes cidades européias, em especial em um momento em que as exportações de café reforçavam a participação do país no comércio internacional. Sendo São Paulo o centro comercial (e também político, junto do Rio de Janeiro) do país, interessava que tivesse uma aparência compatível com a ambição comercial da expansão cafeeira. (FERREIRA, 2005)

Assim sendo, explicita-se, então, o porquê dessa grande cidade do país, nesses primeiros momentos da urbanização brasileira, já promover uma sistemática segregação social: simplesmente, já se reproduzia na cidade a mesma diferenciação social resultante da hegemonia das elites que se verificava nos latifúndios. É dessa época que datam os primeiros registros de cortiços. Mesmo que não fosse ainda regida pelas dinâmicas do capitalismo industrial, a cidade já tinha por marca a diferenciação sócio-espacial, pela qual a população mais pobre era excluída para as áreas menos privilegiadas. (FERREIRA, 2005)

A partir de 1880, algumas circunstâncias levaram os imóveis urbanos a se tornarem uma das mais interessantes opções de investimentos: a disponibilidade de capitais, devido ao fim do tráfico de escravos e aumento do número de imigrantes que vinham para a cidade em busca de moradias, o que aumentou bastante a demanda por imóveis por todas as classes em busca de aplicações seguras. Vale lembrar que a economia cafeeira era sujeita a várias instabilidades (variações climáticas, crises com superproduções, oferta excessiva...) o que fortalecia o papel da terra como reserva de valor de capitais. Outro elemento importante para o aquecimento da atividade imobiliária nos primeiros anos da República, em São Paulo, foi o “Encilhamento” (1889-1891), que teve o efeito de criar 15 bancos na cidade e 207 companhias, muitas delas baseando seus negócios no mercado imobiliário. (BOTELHO, 2007)

A partir de 1890, surge uma nova tendência que passa a caracterizar a cidade de São Paulo nas décadas seguintes: trata-se do surgimento dos arruamentos isolados, completamente separados da cidade propriamente dita por áreas ainda não loteadas, como foi o caso de Santana, Vila Gomes Cardim, Vila Prudente, Ipiranga, Vila Cerqueira César. A antiga Freguesia da Penha de França apresentava um arruamento bastante amplo, o que denota que também fora afetada pela expansão da cidade, o mesmo acontecendo com o povoado de Pinheiros, antigo aldeamento indígena, e com a Freguesia de Nossa Senhora do Ó, porém em escalas mais reduzidas nestes últimos casos. (BOTELHO, 2007)

É nesse momento que se constitui um dos primeiros fundamentos da ordem urbanística que governa a cidade: uma região central investida pelo urbanismo (com infra-estrutura, destinada exclusivamente ás elites), contraposta a um espaço puramente funcional, normalmente “sem regras”, distante deste centro, o mundo do trabalho e da moradia dos pobres. Desta forma, os loteamentos em São Paulo do final do século XIX e início do século XX já revelam um espaço segregado entre ricos e pobres. (ROLNIK, 2001 apud BOTELHO, 2007)

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