O papel da arquitetura no mercado imobiliário brasileiro

      Não é preciso ser arquiteto para dar o devido valor estético a edifícios ícones do centro paulistano, tais como: Itália (Franz Heep), Esther (Álvaro Vital Brasil), Viadutos (Artacho Jurado), Copan (Oscar Niemeyer), entre outros. Ou, para sentir um imenso prazer ao passear pelas arborizadas ruas do bairro Higienópolis, cercada pelos exemplares da arquitetura moderna produzida em São Paulo, nas décadas de 1940 e 1950, como os edifícios: Bretagne (Artacho Jurado); Louveira (Vilanova Artigas); Prudência (Rino Levi); Lousane (Franz Heep). Também é incrível se deleitar com a paisagem arquitetônica da global Avenida Paulista, cujos edifícios antigos ainda se destacam: Paulicéia e São Carlos do Pinhal (Gasperini e Jaques Pilon); Saint Honore (Artacho Jurado); e o Conjunto Nacional (David Libeskind), todos da década de 1950.



A arquitetura e o trabalho do arquiteto estão, diretamente, ligados a produção do mercado imobiliário brasileiro, desde os primórdios desta atividade. Entretanto, atualmente, o que vem sendo produzido é bem diferente do início do século XX, quando as Escolas de Arquitetura Moderna Carioca (liderada por Lúcio Costa) e Paulista (liderada por Vilanova Artigas) tomavam conta do cenário urbano das grandes metrópoles, trazendo às cidades toda a contribuição que é obrigação do arquiteto, isto é, organizando espaços para a sociedade viver.

A ânsia de construir com os custos mais baixos possíveis, fez grande parte dos incorporadores provocar, pode-se dizer que mais fortemente a partir de meados da década de 1980 até hoje, uma era de quase “apagão” para a boa arquitetura brasileira.

Com algumas exceções, podendo citar entre estas, apenas para ilustrar melhor, os edifícios: Maison de Mouette (em Santo Amaro, 1990 – Ruy Ohtake); Itacolomi (em Higienópolis, 2014 – Grupo SP Arquitetura); Corujas (Vila Madalena, 2014 – FGMF Arquitetura), dentre outros; o que se pôde ver na grande parte dos empreendimentos imobiliários da cidade de São Paulo (e em todo país também) no referido período e, principalmente, durante o “boom” do mercado nos anos 2000, foi uma repetição de projetos realizados por profissionais que fizeram da arquitetura um produto de fabricação em série, quase na base do “copy-paste”.
Havia (e ainda há) uma “receita de bolo” pronta para o desenvolvimento de cada tipo de projeto arquitetônico. Foi assim que surgiram, por exemplo, para os empreendimentos residenciais de alto padrão os “pseudoneoclássicos” ou as grandes varandas com guarda-corpos de vidro que se repetem nos que se auto intitularam “modernos”. Também, é possível mencionar, para todos os perfis de público, a reprodução das janelas quadradas de dormitórios e banheiros nas fachadas, intercaladas, muitas vezes, com frisos na massa e alguma mudança de cor entre eles (normalmente em tons de bege ou cinza).
Já nos empreendimentos comerciais e corporativos, quando podia (não se pode mais) ser admitido um custo mais alto, os incorporadores apelavam para o uso excessivo de “peles de vidro” como sinal de status de uma obra, e, quando era preciso ser mais comedido no custo da construção, o caminho único passou a ser janelas e portas para a usual varanda técnica que se repete aos “blocos” nas elevações frontais dos projetos, sem nenhuma preocupação, sequer, com a continuidade dos elementos nas fachadas.

A arquitetura autoral e atemporal, aquela que permite uma deliciosa experiência estética e funcional (todos os dias) aos cidadãos e, principalmente, aos moradores e usuários, foi esquecida, deixada de lado, na busca pela eficiência construtiva, por um projeto de menor preço, por uma fachada “espartana” e sem imaginação e criatividade (pois apenas essa passou a ser sinônimo de baixo custo).

            No entanto, em alguns projetos pontuais – principalmente a partir de 2012 e, agora, com mais força, já que o público parece não estar mais disposto a consumir qualquer produto que o mercado lhe ofereça – é possível perceber um movimento, ainda tímido, de compromisso com a boa arquitetura partindo de alguns  incorporadores (infelizmente, ainda não de todos) e a compreensão de que não constroem só edifícios, constroem a cidade e são responsáveis pela paisagem que criam, que influencia o tipo de lugar no qual todos irão viver.
           
            Construir espaços únicos, com qualidade, funcionais e agradáveis a vida do homem e contribuir para uma cidade democrática e acolhedora, é a missão da arquitetura. Tudo isso, não necessariamente, significa ter uma obra inviável economicamente para o empreendedor ou um produto caro para o consumidor. Ao contrário, um bom projeto arquitetônico reduz os erros de compatibilização e execução, cria alternativas para se economizar na obra, e desenvolve um produto que tenha mais identidade com o público que o vai consumir.
            Um cenário no qual a boa arquitetura é desenvolvida e valorizada é o próximo passo do amadurecimento do mercado mobiliário no Brasil e, para isso acontecer, o arquiteto também precisa assumir seu papel, atuando ativamente para essa transformação, que será benéfica para a sua profissão, para as cidades e para os cidadãos. Deixar apenas para os incorporadores essa responsabilidade é transferir a um terceiro a função que lhe é sua, antes de qualquer um.

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