O mercado imobiliário
brasileiro passou por momentos bem difíceis nos últimos dois anos devido à
grave recessão econômica e à crise política que ainda pairam sobre o país. Digo
“passou”, conjugando o verbo no pretérito, por ter plena convicção de que,
agora, o momento já é de readequação da forma de atuar e pensar o mercado e não
mais de lamentação e inércia.
Períodos de crise e
pujança são ciclos inerentes ao capitalismo, e as fases negativas devem ser
encaradas como grandes oportunidades para se fazer mudanças e correções de
rumo, que não costumam ocorrer quando tudo está “muito bem, obrigado”.
Algumas
das consequências positivas da crise, que já podemos avistar no mercado imobiliário,
é uma maior consciência do incorporador sobre seu papel na formação das cidades
e um retorno do arquiteto a sua função social de agente da produção da paisagem
e da vida urbana. Mesmo que ainda incipiente, essas reações tendem a se
consolidar como o novo modelo de atuação, e isso é muito bom.
Visitando um pouco
nosso passado, mais especificamente entre as décadas de 1940 e 1970, podemos
nos orgulhar de um período que foi muito rico para a arquitetura brasileira,
quando as Escolas de Arquitetura Moderna Carioca (liderada por Lúcio Costa) e
Paulista (liderada por Vilanova Artigas) tomavam conta do cenário urbano das metrópoles
brasileiras. Durante esse período, pensar o mercado imobiliário passava por
pensar a cidade, por conceber uma arquitetura de valor e por deixar um legado
aos seus cidadãos. Toda a produção arquitetônica estava centrada nos ideais do
coletivo. Como exemplos dessa produção, podemos mencionar ícones como: o Edíficio Prudência (Rino Levi), o Edifício Lousane (Franz
Heep) e o Louveira (Vilanova
Artigas), todos em São Paulo; o Edifício
Bristol (Lúcio Costa) e o Edifício
Júlio Barros Barreto (MMM Roberto), no Rio de Janeiro; ou, em Salvador, o Edifício Otacílio Gualberto (Diógenes
Rebouças).
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| Edifício Louveira - fotos atuais e imagem de publicidade de venda veiculada na época de sua construção |
Vale lembrar que a
função do arquiteto como transformador das cidades e, por conseguinte, da
sociedade, extrapolava a produção de edifícios institucionais ou residenciais
para as elites. Isso fica muito claro em outros exemplares do mesmo período, tais
como o Copan (Oscar Niemeyer) ou o Conjunto Nacional (David Libeskind),
estão localizados na capital paulista. Ambos são empreendimentos de uso misto e
possuem uma preocupação evidente com o funcionamento da cidade, a diversidade e
a convivência entre todos. Também, aqui, é válido mencionar a atuação
emblemática de Vilanova Artigas na produção habitacional da CECAP (Caixa
Estadual de Casas para o Povo), entre 1967 e 1976, em algumas cidades do estado
de São Paulo.
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| Um condomínio CECAP - projeto de Artigas - foto atual |
Fazer toda essa
“viagem” no tempo é relevante para tornar mais claro o quão forte foi o
“apagão” da nossa arquitetura durante os últimos trinta e, principalmente,
últimos dez anos, frente ao volume gigantesco que atingiu a produção
imobiliária no Brasil.
Obviamente, que com
exceções, o que se viu produzido pelos incorporadores imobiliários nos tempos
atuais foi um sem número de prédios e condomínios com pouca ou nenhuma
preocupação estética e social para com as cidades e seus cidadãos. No entanto,
imputar essa responsabilidade unicamente aos incorporadores é isentar os
arquitetos que cederam a tais pressões e condições de mercado do não
cumprimento de sua principal missão profissional: projetar espaços únicos, de
qualidade, funcionais e agradáveis a vida do homem e contribuir para uma cidade
democrática e mais acolhedora.
Felizmente, os tempos
parecem ser outros e, cada vez com mais vigor, vem ressurgindo a boa e velha
arquitetura autoral e atemporal, aquela que reafirma o compromisso do arquiteto
e, agora, também do incorporador, como agentes transformadores da cidade e de
uma sociedade, que tem na forma em que vive o retrato de sua evolução
intelectual.
Por enquanto, essa
mudança de postura é vista quase que exclusivamente na concepção de produtos
para as classes mais abastadas, nos que são chamados no mercado de “alto padrão”.
Mas, até mesmo pelo exemplo citado do que se produziu na CECAP antigamente, é
possível e necessário que a arquitetura se aproprie também dos projetos
direcionados à população de mais baixa renda, levando a estes, além de
características de preocupação estética, soluções construtivas e de materiais
para sua viabilidade financeira e de implantação em campo.
Na quase total ausência
do Estado na construção de habitação para as classes menos favorecidas, é
esperado que os incorporadores mudem a forma de pensar também nos projetos
populares, aqueles que hoje se enquadram no programa “Minha Casa, Minha Vida”
(MCMV).
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| Perspectiva ilustrada projeto MCMV de Pernambués - Lelé |
Nosso saudoso e grande
arquiteto, João Filgueiras Lima, o Lelé, no ano de 2011, fez um projeto
fantástico para ser utilizado pelo MCMV na reurbanização da favela Pernambués,
em Salvador. Unindo criatividade, funcionalidade, baixo custo e estética, aquele
é um exemplo de arquitetura de qualidade, que pensa racionalmente nos materiais
e humanamente nas comunidades. Infelizmente, como não é de se admirar, o
projeto não saiu do papel, mas pode servir de inspiração a muitos outros.
Enfim, o que é esperado
desse novo momento do mercado de incorporação imobiliária é que tanto
incorporadores quanto arquitetos não sejam mais omissos a sua relevante
participação na construção não apenas de prédios, mas de cidades e de cenários
onde a vida humana acontece de verdade.
Essa mudança de
pensamento tende a ocorrer também por exigência dos próprios consumidores, que
não desejam mais comprar o que lhes é apresentado pura e simplesmente, mas sim buscam
adquirir o que lhes traz sentido à vida, o que lhes proporciona uma nova e boa
experiência. A era da customer experience
está aí e deve passar, sem dúvidas, pelo mercado imobiliário, desde o momento
da concepção dos produtos.
Dessa forma, os projetos
de arquitetura, de interiores e de paisagismo não serão mais vistos como commodities pelos incorporadores, uma
vez que são partes fundamentais da experiência que os consumidores terão com
sua marca.
Inicia-se, por isso, no
mercado uma etapa que antecede ao projeto e está sendo chamada de curadoria de
arquitetura. Assim como acontece nas indústrias da moda e da arte, essa
curadoria, além de ser uma espécie de crivo estético, tem a função de
apresentar os profissionais mais apropriados para atuar em cada tipo de
produto, localização e público alvo e que mais se enquadre aos métodos
construtivos, tecnologias e partido arquitetônico com os quais o incorporador se
identifica. Esse tipo de trabalho já é realizado com êxito por algumas poucas
incorporadoras, mas deve ser amplificado no mercado.
Por tudo exposto, se
torna possível acreditar que melhores dias estão chegando para a nossa produção
imobiliária, e ajudar na conscientização da importância da boa arquitetura para
o desenvolvimento de novos empreendimentos, tanto pelos consumidores assim como
também pelo futuro de nossas cidades, deve ser uma tarefa de todos os
arquitetos.




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