Cuidado com clichês no mercado imobiliário: ainda há quem não conheça o Airbnb
Há poucos meses atrás, fui surpreendida com uma constatação inusitada. Em um de meus grupos de WhatsApp formado por amigas que vivem no interior de São Paulo, uma delas mandou uma mensagem com tom de novidade: “Amigas, descobri um aplicativo que é muito legal! Com ele, vocês podem alugar imóveis por temporada em qualquer lugar, se chama Airbnb.”
É isso mesmo! Essa plataforma digital que vale bilhões de dólares, criada em 2008, usada por milhões de pessoas em todo o mundo e da qual falamos tanto no mercado imobiliário, servindo de estudo de caso para tantos outros negócios que estão sendo desenvolvidos atualmente, ainda não é conhecida por muitas pessoas aqui no Brasil.
Obviamente que não é surpresa que temos gapsde informação e inovação no país, dado sua dimensão continental e sua enorme desigualdade socioeconômica. Mas constatar que esse gap é muito maior que imaginava me serviu de reflexão, afinal, todas as minhas amigas deste grupo têm alto nível de escolaridade e ótimas condições sócio econômicas e moram há, apenas, 150 km da cidade de São Paulo! Mesmo assim, para quase todas ali, com exceção de uma única apenas, o Airbnb era uma grande novidade, dez anos após sua criação.
Airbnb completa 10 anos e alcanca valor de mercado de 30 bilhoes
Já atuei em projetos em muitas cidades e regiões do estado e do país, o que me dá propriedade para afirmar que temos diversos mercados imobiliários no Brasil, devido ao nosso desenvolvimento econômico, social e cultural ainda muito heterogêneo.
É inegável que o mercado imobiliário ainda precisa se atualizar e, até se profissionalizar, no Brasil, entretanto, não poderemos nunca desconsiderar o fato de que vivemos em um país de dimensões continentais. Morar em uma metrópole global como São Paulo não é como morar em um município do interior do Rio Grande do Sul ou do litoral da Bahia. E as diferenças vão além das geográficas, que têm impacto direto na arquitetura e nos métodos construtivos. Os produtos imobiliários e toda a forma de atuação no mercado devem atender às necessidades e hábitos de vida regionais, específicas de seus consumidores.
Mesmo ao observar apenas a cidade de São Paulo, que tem cerca de 12 milhões de habitantes, nos deparamos com perfis de clientes e realidades de vida muito distintos, que culminam em formas de morar absolutamente desiguais, e tais desigualdades devem ser levadas em conta ao se incorporar um novo empreendimento.
Os avanços da tecnologia influenciaram e ainda seguirão influenciando inúmeras transformações na sociedade, mas, no intuito de “aproximar” o mercado imobiliário destas transformações, alguns especialistas acabam por pregar, demasiadamente, clichês e fórmulas prontas para o desenvolvimento de novos produtos imobiliários, tratando o consumidor de imóveis brasileiro pela lógica do “pensamento único”, o que pode tornar-se uma armadilha ao ser seguido de forma literal por incorporadores.
A única verdade absoluta que se pode extrair disso tudo, é que é de extrema importância se conhecer profundamente o cliente – seus desejos, necessidades, hábitos de vida e seu nível sócio cultural – antes de se formatar qualquer produto imobiliário e, assim, obter alto valor percebido por ele.
Também é válido mencionar que o conhecimento do cliente será útil para a definição das melhores práticas a serem utilizadas como estratégias de marketing para a venda do produto imobiliário. Como sugere o início do texto, certos consumidores, embora estejam conectados em seus smartphones, ainda não estão familiarizados com todas as plataformas e possibilidades de interação que a tecnologia oferece. Nem todos conhecem o Airbnb, assim como muitos consumidores brasileiros não utilizam (ou nem conhecem) o Waze, o Uber, o iFood, etc... – tão presente na vida da maioria que vive em São Paulo e outras grandes cidades.
Assim como qualquer tecnologia e inovação demora um tempo para chegar dos países desenvolvidos até o Brasil, aqui dentro também existe (e creio que sempre existirá) um certo delay para que as inovações cheguem a todas as regiões, cidades e consumidores. É possível, também, que certas inovações e transformações sejam específicas e viáveis apenas em alguns lugares e não avancem para o país todo.
Desconstruindo Clichês
- Morar em “micro apartamentos” é uma tendência irreversível: de fato, as pessoas não querem e não tem mais a necessidade de morar em grandes espaços. A tecnologia fez, até, que as pessoas se desloquem menos dentro de suas próprias casas. Incluindo as famílias abastadas, hoje, é normal morar em casas ou apartamentos menores, se comparados aos nossos avós e pais. As pessoas têm menos filhos, não se encontra empregados domésticos com a mesma facilidade de antigamente e estes custam mais caro. Entretanto, isso não significa que todos estão ou estarão dispostos a morar em apartamentos de 50m² ou menos. Famílias compostas por mais de uma pessoa – hoje existem as famílias unipessoais – sempre precisarão de espaços condizentes com sua composição para morar com algum conforto, mesmo em metrópoles como São Paulo. Em cidades menores, nas quais não há problemas de deslocamentos e de expansão urbana, o discurso do “micro apartamento” está, ainda, muito mais distante da realidade e talvez nunca venha a fazer sentido.
- O automóvel não é mais objeto de desejo dos jovens: é uma tendência mundial dos Millennials (os mais jovens dessa geração) e da Geração Z não se importarem com a posse, mas sim com o acesso aos bens materiais. Isso inclui, não apenas o automóvel, mas também, a bicicleta, a moto e, até mesmo, o apartamento. Aqui em São Paulo e em diversas outras metrópoles mundiais, isso é muito evidente. Os jovens metropolitanos são adeptos do Uber, da Yellow, da Grin Scooters, e outros meios de transporte compartilhados, que nem sequer existem na maior parte dos municípios brasileiros. Assim, essa característica tende a se desenvolver bem mais lentamente nos jovens de cidades menores, principalmente, das mais pacatas.

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