Arquitetura Inclusiva no Desenvolvimento de Empreendimentos Residenciais



Arquitetura Inclusiva no Desenvolvimento de Empreendimentos Residenciais

Com o passar dos anos, novas demandas surgem para os empreendimentos residenciais, algumas tão somente ditadas pelas mudanças da sociedade e de seus hábitos, outras por exigências das novas normas e legislações (mais ajustadas às necessidades de segurança e conforto dos usuários), e, ainda, outras resultantes dos dois motivos ora mencionados. Neste contexto, discussões sobre arquitetura inclusiva e o desenvolvimento de projetos cada vez mais aptos e generosos para com todos os cidadãos tomaram conta da incorporação imobiliária no Brasil.

Em 06 de julho de 2015 foi promulgada a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa Portadora de Deficiência – Lei 13.146/2015destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.

A referida Lei aborda, então, os seguintes temas: acessibilidade, desenho universal, barreiras urbanísticas, barreiras arquitetônicas, entre outros, que são fundamentais para que a inclusão de todo e qualquer indivíduo na sociedade, verdadeiramente, aconteça.

Logo, a arquitetura inclusiva passou a ser mais que uma questão de conscientização social, para ser uma obrigação legal, e isso tem um grande significado implícito, pois demonstra que nosso país passou a olhar para todos como iguais, de fato. Por isso, é o meio construído que deve adaptar-se para atender a todos os cidadãos e não o contrário, como bem pensava a sociedade antigamente.

No ano de 2014, lembro-me de ter passado pela experiência de ter a mobilidade reduzida quando fraturei meu pé. Durante cerca de dois meses, vivenciei na prática o que antes só conhecia na teoria, e pude compreender o quanto a arquitetura inclusiva pode melhorar a qualidade de vida das pessoas portadoras de necessidades especiais – PNE.

Segundo a UNESCO, mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo vive com algum tipo de deficiência, sendo que no Brasil são 45,6 milhões de pessoas, o que representa quase 24% da população. E, embora estes números sejam absolutamente expressivos, as pessoas com necessidades especiais vivenciam desigualdades a todo o momento, em sua vida cotidiana.

A partir deste 27 de janeiro, entrou em vigor o Decreto no 9.451/2018, que regulamenta a Lei 13.146/2015*, e dispõe sobre os preceitos de acessibilidade que devem ser atendidos no desenvolvimento de novos projetos para edificações de uso privado multifamiliar. E é ideal que todos os empresários e profissionais atuantes na incorporação de empreendimentos imobiliários no Brasil, ao invés de ver neste Decreto mais um complicador, o percebam como uma oportunidade de trazerem ao mercado projetos mais conscientes e inteligentes, e que dialoguem com a ânsia dos cidadãos por uma cidade mais inclusiva e menos hostil às diferenças.

No que tange à acessibilidade, o Decreto aborda o tema referindo-se, especialmente, à normas ABNT, tais como a NBR 9050/2015 – que trata de acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos – e a NBR 13994/2000 – que trata de especificações para que os elevadores sejam acessíveis a quaisquer tipo de portadores de necessidades especiais e deficiência– porém, quando se refere a barreiras urbanísticas e arquitetônicas, além de remeter à esta norma, há que se fazer a relação também ao conceito de desenho universal.

“O conceito de Desenho Universal, criado por uma comissão em Washington (EUA) no ano de 1963, foi inicialmente chamado de “Desenho Livre de Barreiras”, por estar voltado à eliminação de barreiras arquitetônicas nos projetos de edifícios, equipamentos e áreas urbanas.Posteriormente, esse conceito evoluiu para a concepção de Desenho Universal, pois passou a considerar, não só o projeto, mas, principalmente a diversidade humana, de forma a respeitar as diferenças existentes entre as pessoas e a garantir a acessibilidade a todos os componentes do ambiente. O Desenho Universal deve ser concebido como gerador de ambientes, serviços, programas e tecnologias acessíveis, utilizáveis equitativamente, de forma segura e autônoma por todas as pessoas – na maior extensão possível –, sem que tenham de ser adaptados ou readaptados especificamente, em virtude dos sete princípios que o sustentam, a saber: 
  • Uso equiparável – para pessoas com diferentes capacidades; 
  • Uso flexível – com leque de preferências e habilidades; 
  • Simples e intuitivo – fácil de entender; 
  • Informação perceptível – comunica eficazmente a informação necessária por meio de visão, audição, tato ou olfato; 
  • Tolerante ao erro – que diminui riscos de ações involuntárias;
  • Com pouca exigência de esforço físico; 
  • Tamanho e espaço para o acesso e o uso, inclusive para as pessoas com deficiência e mobilidade reduzida”.

Fonte: Mobilidade acessível na cidade de São Paulo, SMPED – Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida (2008) 

O Decreto diferencia unidades adaptáveisde unidades internamente acessíveis:

  • Unidades adaptáveis:são projetadas para serem convertidas em Unidades Internamente Acessíveis, nos termos do Decreto Art. 2o Inciso III - Dec. no 9.451/2018.
  • Unidades internamente acessíveis:devem atender, conforme solicitação do comprador, antes do início da obra, exclusivamente as especificações definidas no Decreto, em seu Anexo I (características construtivas e recursos de acessibilidade da unidade internamente acessível).


Caso o empreendimento adote um sistema construtivo que não permita alterações posteriores, tais como a alvenaria estrutural, paredes de concreto, ou outros equivalentes, o empreendedor poderá optar por construí-lo com, no mínimo 3%, de unidades internamente acessíveis, ficando liberado do atendimento às obrigações previstas nos artigos 3º, 4º, e 5º do Decreto. 

Estes 3% de Unidades Internamente Acessíveis deverão, necessariamente, cumprir integralmente as especificações estabelecidas no Anexo I do Decreto, independentemente da solicitação do adquirente, e não precisam ficar restritas ao pavimento térreo, ou seja, poderão estar localizadas em qualquer outro pavimento, a ser definido pelo empreendedor, conforme projeto aprovado no órgão licenciador. Sendo que, obviamente, neste caso, recomenda-se que alguns cuidados sejam tomados a fim de garantir a acessibilidade completa a tais unidades, como, por exemplo, a entrega de gerador de conforto que garanta o funcionamento dos elevadores em caso de queda de energia no prédio.

Outro ponto importante do Decreto é que só é permitida a redução de quantidade de ambientes nas unidades autônomas com área privativa de, no máximo, 70m². Para unidades autônomas com área privativa superior a esta, a adaptação deverá ser viabilizada preservando a quantidade de ambientes da planta-tipo original.

Enfim, por todos estes pontos mencionados e todos os demais abordados na Lei 13.146/2015 e seu Decreto 9.451/2018, resta claro e evidente que ambos devem estar “na ponta da língua” de todo incorporador imobiliário e profissional que atue no desenvolvimento de empreendimentos residenciais, como: arquitetos, paisagistas, projetistas de estrutura, instalações e outros. Mas, além disso, o entendimento de que este é um passo evolutivo da sociedade, no sentido da equidade e garantia dos direitos de cada um dos cidadãos, também é fundamental. 

Importante ressaltar que pensar em uma arquitetura inclusiva na incorporação imobiliária exige certos cuidados, que deverão estar presentes em todas as etapas do desenvolvimento do empreendimento, como por exemplo: 

  • No desenvolvimento do projeto e durante a construção:mantendo-se atento às normas e a utilização de materiais e equipamentos adequados e atuais.
  • No marketing:avaliando a melhor forma de se comunicar com o público dirigido, como: idosos, PNEs deficientes visuais ou com mobilidade reduzida, etc. 
  • Nas vendas:promovendo treinamento intensivo às equipes de corretores para que atendam bem a este público.


Outra recomendação voltada aos incorporadores é para que contratem arquitetos/consultores que sejam especialistas, pois, assim, os projetos serão bem elaborados e pensados. Por exemplo, existem profissionais especialistas em arquitetura voltada para Autistas ou para Idosos. Especialistas sempre saberão como adequar seu projeto da melhor forma e com a máxima eficiência. 

Não há como negar que tornar qualquer empreendimento 100% inclusivo tem um custo real para o incorporador, que se refere tanto à adoção de materiais e equipamentos, quanto a impactos significativos na eficiência construtiva do produto (área privativa/ área total construída), fatores que refletem diretamente ou no aumento do preço de venda ou na redução do resultado do negócio. No entanto, como já colocado acima, a inclusão total de PNEs nos espaços, além de Lei, é uma das demandas da sociedade atual (e mais evoluída).

A inclusão é uma guerra na qual ganhamos uma grande batalha com esta Lei 13.146/2015 e seu Decreto 9.451/2018, porém resta evidente de que não adianta cuidarmos somente do “intramuros” dos empreendimentos se, lá fora, ainda nos deparamos com um cenário degradante e de dificuldades extremas a todos os portadores de necessidades especiais. Estamos no início, mas é sabido que há, ainda, um longo caminho a se percorrer.


*Estão dispensados do disposto no Decreto os projetos de edificações de uso privado multifamiliar que tenham sido protocolados para licenciamento nas Prefeituras Municipais ou órgãos equivalentes em data anterior a 27 de janeiro de 2020.

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